Agroecologia: Respeito à Terra
Por Anna Elisa Nicolau dos
Santos
Existem hoje vários conceitos sobre
agroecologia. Tem gente que fala de agricultura orgânica, agricultura pura,
agricultura biodinâmica. Mas a idéia da agroecologia é muito mais ampla. Além
de falar da terra, de produção, fala de preservação de meio ambiente, de
responsabilidade social e de responsabilidade econômica. Traz conceitos de
respeito à vida em todas as suas formas. E é neste contexto que entra o
respeito ao solo, considerado por algumas ramificações da agroecologia, como o
maior organismo vivo do planeta. Considerado por outras, o próprio gerador da
vida.
A agroecologia é um sistema de
produção que procura imitar os processos como ocorrem na natureza, evitando
romper o equilíbrio ecológico que dá a estabilidade aos ecossistemas naturais.
É uma tradição fundada em conhecimentos praticados pela maioria das culturas
antigas em todo o mundo e pelas comunidades que vivem em contato mais próximos
com a natureza. O princípio fundamental da agroecologia é considerar a
propriedade agrícola como um todo. É muito importante entender que deve haver
interação entre todos os seres vivos. As plantas devem relacionar-se com os
microrganismos que produzem nutrientes, com as minhocas que soltam o solo para
que as raízes se desenvolvam, com os insetos que servem de alimento para os
inimigos naturais. Nas propriedades em que se trabalha a agroecologia é muito
normal ver todo o tipo de organismo como insetos, aranhas, lesmas, nematóides,
bactérias, fungos e algas. Sabe-se que todos os seres possuem papel importante
no equilíbrio deste ecossistema.
O engenheiro agrônomo Ricardo
Schiavinato, proprietário da unidade agroecológica Fazenda Sula, no município
de Serra Negra, a 150 km de São Paulo, costuma dar o seguinte exemplo: “O solo
mais pobre do Brasil encontra-se na Amazônia e lá existe a maior floresta do
mundo, com a maior biodiversidade, com a maior quantidade de plantas, insetos e
animais possíveis. Como é que pode existir aquilo em um solo que é pobre? A
realidade é a seguinte, a fertilidade do solo está relacionada ao que existe
sobre ele, a biodiversidade, o equilíbrio do ecossistema. Isso é a vida do
solo”.
No cultivo orgânico não basta
eliminar o uso de agrotóxicos. Esta é somente a primeira medida para recuperar
o equilíbrio biológico natural. O reequilíbrio do solo e a busca pela
biodiversidade original são outros passos importantes que devem ser dados logo
no início da modificação da propriedade. Felizmente a Natureza é tão poderosa
que é capaz de regenerar-se quase que por completo em dois ou três anos de
manejos adequados. E neste processo que o agricultor tem uma importantíssima
participação: a assimilação dos conceitos orgânicos de responsabilidade social,
econômica e ambiental. A organização, a cooperação e o trabalho em grupo também
são necessidades básicas para a construção de uma propriedade agroecológica.
Agrotóxicos: o veneno da Terra
Sabe-se que não existe a utilização
de agrotóxicos numa mata inicial, numa floresta. Todos os processos
microbiológicos que acontecem, as relações entre insetos, microrganismos,
bactérias, fungos, entre as plantas e animais nunca tiveram a interferência de
agroquímicos. Estes produtos só começaram a ser utilizados porque o homem
retirou todo o equilíbrio do sistema que existia anteriormente. A falta do
equilíbrio criou diferença nas relações, facilitando o aparecimento de pragas e
doenças. Neste momento o homem passou a utilizar o agroquímico para tentar
resolver um problema que já existia, um problema que deveria ser resolvido com
o reequilíbrio do sistema. Surgiu um problema maior: quanto mais agroquímicos
forem usados, mais desequilíbrio se cria. Surge um ciclo vicioso de problemas.
O engenheiro agrônomo confirma este ciclo maléfico. “Infelizmente, no manejo
convencional, os produtores acabam matando toda a vida do solo e a cada ano
precisam utilizar mais insumos, por causa do desequilíbrio que causaram, e
assim matam mais e mais a vida do solo. Os agricultores ficam dependentes dos
agroquímicos, dos adubos químicos. É um processo que nunca acaba”. E o pior é
que muitos dos pesticidas ainda utilizados no Brasil estão proibidos em vários
países, devido às suas consequências nocivas para a saúde humana.
O Sistema de produção orgânica
Uma das principais preocupações da
agricultura orgânica é com o solo. A manutenção da fertilidade do solo é feita
com processos biológicos, que equilibram e harmonizam o ambiente. Os
fertilizantes sintéticos, agrotóxicos e outros produtos químicos são eliminados
por completo desta forma de produção. A agricultura orgânica utiliza somente
insumos naturais renováveis. “Com relação à parte técnica de produção, na
Fazenda Sula todas as práticas utilizadas são de conservação do solo. O solo
sempre fica coberto, faz-se a rotação de culturas, e há grande preocupação com
a qualidade de matéria orgânica viva”, diz. Os adubos orgânicos são feitos a
partir da decomposição, por microorganismos, de palhas, estercos e outros
resíduos. O resultado da utilização destes produtos aumenta a vida do solo e
torna as plantas muito mais vigorosas.
A agricultura orgânica preserva
sementes por muitos anos e impede o desaparecimento de espécies, pois incentiva
as culturas mistas e fortalece o ecossistema. Assim, a fauna permanece em
equilíbrio e todos os seres permanecem em harmonia, graças à não utilização de
agrotóxicos. Uma planta que cresce em condições ideais, normalmente, é mais
resistente aos variados eventos climáticos e biológicos que se sucedem. O
cultivo pode até alimentar outros seres vivos sem se afetar exageradamente.
Agropecuária orgânica
Os alimentos de origem animal estão
contaminados pela ação de antibióticos, hormônios e outros medicamentos que são
aplicados na pecuária convencional, quer o animal esteja doente ou não. Este
gado também se alimenta de pasto envenenado com insumos químicos, que tem
efeito cumulativo nos animais e, conseqüentemente, nos homens que se alimentam
da carne ou do leite.
Na Fazenda Sula, as atividades pecuárias
também são desenvolvidas com o manejo orgânico. As vacas são tratadas com base
no princípio de que a qualidade do solo é o fator determinante para a saúde do
animal e para a produção de um alimento equilibrado em nutrientes. “Nossas
vacas são criadas soltas, sem stress e recebem uma alimentação 100% natural,
sem agrotóxicos, aditivos químicos, nem hormônios. Os bezerros são mantidos
junto às mães, pois existe uma real preocupação com o lado afetivo do animal”,
diz Ricardo. Neste rebanho de vacas girolandas – nascidas do cruzamento do gado
holandês com o gado gir – o tratamento de saúde dispensa o uso de antibióticos,
vermífugos, inseticidas e outras drogas, sendo unicamente utilizado o sistema
homeopático, feito de forma preventiva. O leite orgânico é considerado muito
mais puro e saudável. Benefícios: social, ambiental, econômico e da saúde.
A produção orgânica se sustenta em
quatro grandes pilares. O primeiro é a questão ambiental, pois é um sistema
produtivo que utiliza práticas de conservação e de preservação, de manejo e
respeito à natureza. O segundo e o terceiro ponto são intimamente relacionados:
a questão social e econômica. Hoje existe o problema de inchaço das metrópoles,
ocasionado pelo êxodo rural. As pessoas saem do campo, chegam nas cidades e não
arranjam um trabalho digno porque não estão preparadas. A agricultura orgânica
inverte este processo, criando empregos. Como trabalha com diversidades, que
são vários processos que acontecem, ao mesmo tempo, precisa de mais mão de
obra.
Também seria utopia achar que é só
oferecer trabalho ao homem no campo, sem considerar a questão econômica.
Normalmente, nas propriedades orgânicas o trabalhador rural é parceiro no
trabalho realizado na fazenda. Existem vários tipos de parceria: além de o
trabalhador ter um salário fixo, pode ganhar um percentual da produção.
Schiavinato explica que na Fazenda Sula o trabalho é feito num sistema de
meação. “Cinquenta por cento do lucro da lavoura são divididos. O que eu dou?
Dou a infraestrutura produtiva. O que ele me dá? O trabalho, a mão de obra. No
final a gente divide todos os lucros”.
Outra questão importante está
relacionada à saúde do trabalhador rural e dos consumidores. A agricultura
orgânica ajuda a diminuir o envenenamento causado por agrotóxicos, situação que
prejudica milhões de agricultores no mundo inteiro. Alimentos sem agroquímicos
não causam problemas de saúde para quem os consome. “Os produtos orgânicos
possuem, em média, 40% a mais de nutrientes do que os produtos convencionais”.
Vantagens do consumo de produtos
agroecológicos
Existe um extenso debate sobre os
preços dos produtos orgânicos, relacionando-os a questões técnicas como
produtividade, custo de produção e oferta geral dos produtos. Daí a necessidade
de se levantar algumas questões para reflexão: o alimento orgânico não é mais
caro que o alimento convencional se for considerada, indiretamente, a redução
das despesas com médicos e medicamentos, pois alimentos orgânicos não contêm
substâncias tóxicas nocivas à saúde. É importante observar quantidade de
nutrientes, vitaminas e sais minerais que os alimentos orgânicos possuem a mais
do que os convencionais, além da garantia de não se consumir alimentos
geneticamente modificados.
Ao optar por produtos orgânicos, as
pequenas propriedades poderão manter-se sem assumir dívidas pela compra de
defensivos tóxicos. Nos solos balanceados e fertilizados com adubos naturais,
as plantas crescem mais saudáveis e mantém suas características originais,
produzem alimentos mais nutritivos e saborosos. A agricultura orgânica não está
apenas associada aos conceitos de saúde e qualidade de vida, mas também à
distribuição de renda, justiça e democracia, além dos ganhos ambientais.
Educação Ambiental e Agroecologia
Além de comercializar seus produtos,
a Fazenda Sula procura utilizar o sistema agroecológico para conscientizar as
pessoas não só da importância de se consumir um alimento orgânico, mas também
da necessidade vital de se preservar o meio ambiente e o ecossistema. Para
isso, o proprietário da fazenda desenvolveu, a partir de 2002, o turismo rural.
“Os visitantes têm uma aula de educação ambiental através da agricultura
ecológica. Também oferecemos o turismo educativo, onde escolas podem
desenvolver conteúdos e projetos associados às diversas disciplinas de seus planos
de ensino”, diz o proprietário.
No projeto que é realizado com as
escolas, se percebe a importância da interação com as crianças. “Nossa
propriedade é cheia de passarinhos e muitas crianças não sabem o porquê o
passarinho existe. Neste trabalho falamos sobre a importância da preservação da
mata ciliar, dos mananciais e sobre a importância da biodiversidade. Porque foi
na realidade a evolução da biodiversidade que fez surgir o homem. E isso que
faz a gente continuar a ir para frente. As espécies estão em evolução e a cada
momento que matamos uma espécie, a gente está matando o nosso futuro”.
Ricardo Schiavinato, que também
desenvolve trabalhos de consultoria para produtores que desejam praticar
agricultura orgânica, destaca a importância da agroecologia. “Na realidade, o
que se precisa é de mudança de comportamento. Por isso que a agroecologia e
educação ambiental estão intimamente relacionadas. Nós podemos falar da
agroecologia de outra forma: como o uso racional de embalagens ou coleta
seletiva, por exemplo. Quando falo de agroecologia falo de mudança. Mudança na
cabeça do ser humano”.
Fonte: Revista OnLine EcoTerra Brasil
(Nota: para ler a matéria completa,
favor acessar: www.ecoterrabrasil.com.br